Um Celeiro Energético Verde

Camila Araujo

A transição energética rumo às energias limpas parece ser um percurso irreversível. 

Vista sob o ponto de vista global, é inédita a reunião de esforços de diversos países engajados para a redução de emissões de gases efeito estufa (GEE) e o direcionamento de investimentos e recursos na busca de alternativas para o uso de fontes renováveis na geração de energia e na eficiência energética. 

Deixa, portanto, de ser uma política ou ação individualizada de cada país, mas uma programação mundial, onde os países ao mesmo tempo engajam recursos e investimentos para novas descobertas e novas tecnologias, na viabilização comercial destas descobertas ou do aprimoramento industrial, na digitalização, na redução de custos dos equipamentos e processos de produção, na revisão de cadeias de produção e modelos de negócios, viabilizando novas fronteiras para o setor. Como consequência, através da atuação de suas empresas, as novas tecnologias e oportunidades têm sido continuadamente disseminadas, imprimindo grande velocidade a esse processo.

A posição privilegiada e de destaque na produção de energia faz o país ser o destino e porto certo para as indústrias do setor e todos os demais setores que suportam essa indústria. 

O Brasil ocupa a posição de terceiro colocado em geração de energia renovável, atrás apenas de China e Estados Unidos. Porém, essas matrizes são predominantemente de fontes não renováveis, sendo apenas no Brasil que as energias renováveis predominam. 

Além do conjunto das características únicas e próprias do Brasil que já o colocaram há décadas em posição privilegiada em relação aos demais países, é na transição energética que o Brasil emerge avançando na exploração de seus potenciais com exponencial crescimento, assumindo um papel e uma posição ainda mais relevante no mundo. 

E de fato nossa trajetória rumo às energias renováveis não é um passado recente. Convivemos com a exploração de nossas fontes renováveis há cerca de 100 anos, tendo sido nossa transição iniciada com a exploração de nossos potenciais hídricos e do etanol como combustível renovável. 

É assim natural que o Brasil seja um dos protagonistas desta mudança e berço e receptáculo de novas tecnologias e muitas oportunidades. 

E não é por outra razão que esse processo no Brasil tem apresentado dimensões extraordinárias. 

  1. O Brasil com suas características próprias e únicas fomenta o desenvolvimento do setor de energia 

O Brasil possui características próprias e únicas que fomentam permanentemente o desenvolvimento do setor de energia em todas as suas fontes de produção. 

É uma democracia com instituições fortes e consolidadas, é a 12ª economia do planeta, com o PIB (Produto Interno Bruto) na ordem de US$ 1,92 trilhões em 2022 tendo um enorme mercado consumidor.

O país conta, não só com uma enorme abundância de recursos naturais, mas com reservas de grande potencial de produção de combustíveis renováveis e geração de energia reconhecidas como únicas no mundo. 

O Brasil é o 5º maior país em área do mundo.  A sua extensa área territorial determina um enorme fluxo de circulação de pessoas e produtos e necessidade de interligação de suas regiões por longas e contínuas redes de transmissão e distribuição de energia elétrica e gasodutos e o uso contínuo e crescente de combustíveis. 

O seu litoral de grande extensão de aproximadamente 10,950 km oferece admirável potencial de exploração de atividades offshore, como geração eólica e produção de petróleo e gás natural. 

As características próprias dos nossos recursos naturais e do setor de energia levaram o país a desenvolver tecnologia e projetos de inovação únicos e inéditos do mundo, demonstrando a capacitação dos brasileiros para a criação, inovação e empreendedorismo, essenciais nesse setor de mudança e busca contínua de diversificação e alternativas. Nesse sentido, entre tantos projetos cabe citar as grandes conquistas brasileiras relacionadas ao desenvolvimento do etanol de cana de açúcar e a exploração de petróleo em águas profundas do pré-sal, que o colocaram como o maior produtor e exportador de etanol de cana de açúcar do mundo e o maior explorador e produtor de petróleo em águas profundas. 

A indústria desenvolvida e de ponta do país suporta e fomenta o desenvolvimento do setor e seu consumo, criando um círculo virtuoso e ininterrupto de crescimento.  Além disso, a capacitação, tecnologia e inovação dos setores da indústria e serviços brasileiros asseguram novos horizontes de crescimento ao país e por consequência ao setor de energia. 

A atividade econômica, extremamente diversificada no país, faz com que se suporte economicamente e gere oportunidades de crescimento em diversos setores, projetando o país para o desenvolvimento progressivo, independentemente de resultados de determinados setores, o que mitiga enormemente a dependência de atividades econômicas especificas e os riscos circunscritos a determinadas atividades. Da mesma forma, na ponta, a matriz energética é diversificada reduzindo os riscos sistêmicos do setor para a indústria e o consumo.     

Com uma população de aproximadamente 210 milhões de habitantes, o Brasil é um dos maiores mercados consumidores do mundo, assegurando uma grande clientela à indústria da energia independentemente dos mercados externos.  Da mesma forma, a permanente capacitação de pessoas na indústria e no trabalho fomenta todos os setores da economia.  

O país é pujante. Tem uma economia dinâmica e em expansão, sendo um dos países que mais atrai sistematicamente ano após ano investimentos externos do mundo. 

Segundo a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o país ocupa a 4ª posição entre os maiores receptores de investimento estrangeiro direto do mundo (50,367 bilhões de dólares em 2021).  

Esses fatores contribuíram para sua autossuficiência no setor de energia, fazendo-o não depender do mercado externo. 

No entanto, foi o conjunto e a interrelação dinâmica desses fatores próprios e únicos do país que colocaram o Brasil em uma posição privilegiada e de destaque no setor de energia no mundo. 

E não foi por outra razão que assistimos nossas indústrias se tornarem importantes e muitas delas multinacionais e grandes players do setor e provedores desta indústria no mundo há décadas aqui se instalarem. 

Atualmente o setor se depara com o grande desafio da transição energética. 

Nesse contexto, o Brasil se apresenta como um dos mais importantes players mundiais, com enorme potencial para liderar os desafios desta transição. 

Ademais, em que pesem esses desafios, é justamente na transição energética, que o país forçado a refletir sobre seus recursos, passa a desenvolver ainda mais seus potenciais energéticos, colocando-se assim numa trilha extraordinariamente inovadora e profícua rumo às energias verdes.  

Os reflexos dessa nova fase são ainda difíceis de serem previstos, mas já revelam um país com um grande potencial de crescimento, consolidando sua posição como um Celeiro Energético Verde do mundo. 

  1. Matriz Energética

A Matriz energética indica o conjunto de fontes utilizadas para suprir a demanda de energia. 

Se compararmos a matriz energética do mundo com a do Brasil, verificamos que a matriz energética mundial é composta, principalmente, por fontes não renováveis, como o carvão, petróleo e gás natural (85%) enquanto as fontes renováveis são da ordem de 15%.

O Brasil se destaca neste contexto por ter 48,4% de fontes renováveis na composição de sua matriz energética.  

Além disso, nossas fontes renováveis são também muito diversificadas: hídrica, eólica, solar e biomassa. Essas características são muito relevantes, pois colocam o Brasil neste momento de transição em uma posição muito favorável e de destaque no mundo.

Ademais, a transição energética não pressupõe a eliminação de combustíveis fósseis, que continuarão sendo necessários no mundo. Nesse particular, nosso petróleo do pré-sal gera menos emissão de carbono e contém baixo teor de enxofre, o que o torna menos poluente e lhe dá uma vantagem competitiva no mercado internacional.  

  1. Matriz Elétrica Brasileira

Na matriz elétrica, que indica as fontes utilizadas para geração de energia elétrica, a diferença entre as fontes renováveis e não renováveis é ainda mais acentuada e relevante quando comparadas as matrizes brasileiras e mundial. 

Enquanto as fontes renováveis no mundo são da ordem de 28,6%, o Brasil apresenta uma matriz com 82,9% de fontes renováveis (dados de 2020)

Na matriz brasileira, parte substancial da energia renovável gerada provem de usinas hidrelétricas (56,8%), seguida das fontes eólica (10,6%), biomassa (8,2%) e solar (2,5%). As fontes renováveis vêm crescendo ano a ano principalmente com respeito a geração de energia eólica e solar. No mundo, a geração de energia elétrica utiliza, em sua maioria, os combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural).

Note, no entanto, que dados mais recentes refletem o extraordinário crescimento das energias renováveis no Brasil no último ano. A energia solar que, em 2021 ocupava o percentual de 2,5% na matriz, em março de 2023 (cerca de um ano aproximadamente) passou a ser a 2ª maior fonte de energia elétrica do Brasil (23,9 GW), ultrapassando a biomassa e a eólica (23,8 GW), e a representar 11,2% da matriz elétrica brasileira. (fonte: ABSOLAR – Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica)

  1. Transição Energética – A Realidade Brasileira

A transição energética tem como objetivo a redução de emissões de gases efeito estufa (GEE) considerando seus efeitos nas alterações climáticas que afetam o planeta. 

A transição energética se dá pela gradativa substituição dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural) que, em geral são os que mais emitem gases de efeito estufa, por fontes renováveis, como a hidrelétrica, biomassa, solar e eólica (provenientes de recursos que são repostos pela natureza). 

Nesse particular, nossas matrizes apresentam uma posição positiva das fontes renováveis, colocando-nos numa posição privilegiada e de avanço neste processo de transição.  

No entanto, o que nos favorece e ainda nos projeta enormemente nesse processo é o nosso grande potencial de incremento da geração de energia com base nessas fontes.

Em um país com recursos naturais de tamanha grandeza, com experiência consolidada na inovação em energia e na geração de energia com fontes e combustíveis renováveis, parece ser natural o caminho sustentável em prol de mundo verde. 

E de fato, a transição energética é parte do nosso dia a dia e tem como foco: o incremento da participação de fontes renováveis nas nossas matrizes, a exploração de energia eólica e solar, a geração distribuída, o uso de gás natural como combustível de transição, o mercado de crédito de carbono, os combustíveis renováveis, inclusive no desenvolvimento do biogás, biometano e hidrogênio, o armazenamento de energia, a digitalização e a eficiência energética. 

Assim, há diversos estudos e políticas por parte do Governo para incremento de fontes renováveis. As empresas do setor de energia estão diversificando suas atividades investindo na geração de energia elétrica com fontes renováveis e em combustíveis renováveis.  

Cada vez mais empresas de todos os tipos e tamanhos buscam certificações zero carbono, muitas vezes pressionadas pelos seus investidores e consumidores. O mercado de carbono está em franca expansão. 

Nota-se nas indústrias a adoção de práticas mais sustentáveis, como a substituição de uso de combustível fóssil (como óleo combustível) para gás natural em suas unidades fabris (que produz menos emissão de gás carbônico).  Já outras indústrias, em fase mais adiantada, implementam a substituição do combustível de gás natural por hidrogênio verde (0% carbono).  

O Brasil produz anualmente cerca de 2,5 milhões de carros sendo que cerca de 83% são flex (que podem ser movidos a gasolina ou etanol). No Brasil, a gasolina já contém cerca de 25% de etanol. 

Há carros híbridos (combustão e elétricos) sendo vendidos no país. Marcas novas de carros estrangeiros estão se instalando no país para produção de carros híbridos a preços acessíveis. Há estudos e previsão de uso de hidrogênio verde, biogás e biometano no setor de transportes. O biogás é o combustível gerado pela decomposição de matéria orgânica vegetal ou animal (por exemplo, biomassa, lixo orgânico, entre outros) enquanto o biometano é produzido a partir da purificação do biogás.

O Brasil tem vários parques de bioenergia em operação e construção. É pioneiro no etanol de cana de açúcar de primeira e segunda geração.   

Há um enorme e crescente aumento do uso de fontes eólicas e solares, que tem se tornado mais competitivas em vista da abundância de tais fontes no país, incentivos governamentais, investimentos privados e redução de custo dos equipamentos, com oportunidade para implementação de novas linhas de transmissão de energia para escoar a produção.  

Há vários novos projetos no país de parques eólicos e fotovoltaicos, além de estudos de implantação das eólicas offshore, inclusive com a produção de hidrogênio verde. Várias novas empresas do setor se instalaram no país para atender a enorme demanda por serviços e equipamentos nesse setor. 

O Brasil tem altos índices de radiação solar com um grande potencial de geração fotovoltaica a ser explorado.  

A geração fotovoltaica (solar) cresceu enormemente nos últimos anos, tendo a geração distribuída ultrapassado a geração centralizada. A geração distribuída refere-se à energia gerada pelos próprios consumidores pela instalação de painéis solares em suas casas, empresas e terrenos. 

O Basil ruma assim com sucesso para a descentralização da geração de energia, que passa a ocorrer de forma próxima ao consumidor.

Concomitantemente, o Brasil vive a tão esperada abertura do mercado do gás natural, possibilitado em função do novo marco regulador do setor e do desinvestimento da Petrobrás nas atividades desse setor. O mercado, contido há muitos anos, vê oportunidades de avanço, principalmente nas atividades de comercialização e transporte de gás natural e na construção e operação de gasodutos. 

O Gás Natural, embora seja um combustível que produz GEE, é tido como um importante combustível para transição energética no Brasil. Devido as características de nossa matriz, em grande parte renovável, as termelétricas têm um papel relevante para trazer a estabilidade ao sistema. Assim o gás natural deve seguir como o combustível utilizado pelas termelétricas, considerando que uso do carvão e o óleo combustível produzem mais GEE do que o gás natural. 

Além do mais, a transição energética pressupõe uma transição justa onde deve-se sopesar o direito de acesso à energia por todos independentemente da redução da emissão GEE. Como o Brasil é um país de grandes dimensões onde encontram-se comunidades localizadas em regiões ainda não acessadas por redes de transmissão ou distribuição, as termoelétricas e o gás natural terão o importante papel de contribuir para uma transição justa e sustentável. 

Por outro lado, o gás natural é muito importante para indústria e o consumo em geral. As indústrias são grandes consumidoras de gás natural no Brasil (representando por volta de 45% do consumo do gás natural). A sua substituição no uso industrial deve acontecer de forma sustentável e na medida que seja possível substituí-lo por combustível comercialmente viável e com segurança de fornecimento de forma contínua e ininterrupta. 

O Hidrogênio verde é visto como um combustível importante na transição para o mundo verde. 

O hidrogênio verde é obtido a partir da eletrólise da água, em que a eletricidade de fontes renováveis, como eólica e solar, são utilizadas para a decomposição das moléculas de água, não gerando dióxido de carbono e, portanto, considerado um processo limpo.  Em vista da abundância desses recursos no Brasil, água e energia renovável, o país pode se tornar um líder mundial na produção de hidrogênio verde. Considera-se assim que o Brasil terá condições de produzir hidrogênio verde de forma competitiva. O Hidrogênio é utilizado em processos industriais ou como combustível. Em 2022, a primeira fábrica movida a hidrogênio verde foi inaugurada no Brasil. 

Estuda-se ainda o uso de grandes baterias para armazenamento de energia verde, o que poderia levar o Brasil à grande exportador de energia limpa.   

A transição energética é rica em desafios e oportunidades. 

O cenário mundial favorece a América Latina como um todo e a integração dos países na transição energética deve ser um objetivo a ser buscado pela região.

As oportunidades existentes no Brasil devem se refletir também em oportunidades para seus países vizinhos, especialmente a Argentina, que tem uma reconhecida e importante atuação no setor energético.

Camila Araujo

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